Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Tu n'auras pas mes yeux pour mourir



   A cidade vista de cima, o chão visto de cima... E perto, perto, cada vez mais perto, rente à pele... E uma garota acordando a noite, assustada. O corpo tremendo embaixo das cobertas e dentro do abraço apertado da namorada que dormia tão profundamente que não pode notar. Ela procurou pelo celular e viu que já eram quatro da manhã. Foi se levantando com cuidado pra não acordar o pequeno corpo ainda adormecido e aconchegado às muitas cobertas.
   Com um pouco de sorte, achou café na garrafa térmica. Encheu um copo, acendeu um cigarro e se sentou no peitoril da janela pra observar a cidade. Essa noite ela estava anormalmente quieta, tudo o que se ouvia era o vai e vem dos carros na avenida logo abaixo.Ainda assim aquela visão cheia de luzes sempre trazia calma, mas parecia que o sono havia sido espantado pra longe demais dessa vez. Resolveu se servir de algo mais forte pra tentar relaxar... Na geladeira, uma garrafa de vinho tinto pela metade. Serviu uma dose generosa e voltou a observar a calmaria.
    A essa altura não era o sonho ruim que a mantinha acordada, estava imersa em seus próprios pensamentos. A vida era boa, ela estava exatamente onde esperou estar a vida toda. Tinha tudo o que desejava ter e não precisava de ninguém pra isso. Tinha construído a fortaleza segura dos sonhos da adolescência e amadurecido com os trancos do caminho. Então porque o buraco no peito? Era um buraco tão fundo que não se podia ver o que estava dentro. Ela só sabia que pesava tanto que já não carregava e sim o arrastava.
    O telefone tocou as quatro da manhã e a arrancou de dentro dos pensamentos com um susto grande. Ela olhou o identificador e o frio na barriga foi inevitável. Já fazia tanto tempo que se assustou de ainda ter aquele número gravado na agenda e mais ainda por estar recebendo aquela chamada, mas atendeu sem nem mesmo entender porque.
-         Oi.
-         Oi, não esperava que você atendesse.
-         Então por que ligou?
-         Não sei, talvez parte de mim quisesse mesmo ouvir você...
-         Ta, mais alguma coisa?
-         Na verdade muitas coisas... E eu quero que você só me escute. Faz tempo e talvez eu tenha esperado muito, mas isso também foi bom pra eu ter certeza de todas as promessas que eu fiz pra você um dia. Eu vivi a minha vida, mas nada foi igual ou teve o mesmo gosto. Faz tempo que eu percebi que era mesmo você e que ninguém poderia ocupar o vazio que deixou em mim, mas persisti... Acho que por falta de coragem, não sei! Mas hoje eu resolvi testar a minha sorte e ligar pra dizer que eu ainda te amo... Eu ainda quero ter a minha vida do seu lado.
-         É... Tem razão, você esperou muito.- E desligou o celular.

  Quase que imediatamente o coração apertou e seus olhos se fecharam deixando cair duas lágrimas sentidas. Apertava tanto o peitoril da janela a procura de apoio que os nós dos dedos estavam brancos e ela tentava não fazer barulho. O choro que lavava seu rosto agora era do pior tipo, daqueles que você nunca vai poder dividir com ninguém. Ela detestava chorar, mas a tortura era maior que as forças que ela tinha. Sabia que tinha tomado a decisão certa, mas havia um talvez... Talvez tivesse acabado de jogar a própria felicidade por aquela janela.
  Já estava mais calma quando voltou para o quarto. O dia estava nascendo e da porta do quarto ela pode ver o corpo da mulher que dormia sozinha sem saber de nada do que havia acontecido. Talvez ela nem tivesse percebido a ausência dela na cama. Deitou, abraçou a pela cintura e tentou voltar a dormir. Pela manhã a única coisa que havia mudado era que agora sabia exatamente as feições, o nome e o número do telefone do peso dentro do buraco.

9 comentários:

joyce Pretah disse...

Fiquei feliz por ter sido a primeira a ler,e feliz por ter lido um texto tão bem construído.

Mais uma vez eu me apossei da leitura...e mais uma vez me vi na pele daquela mulher com o aperto no peito e uma única escolha....e achei divino poder entrar na história,naquela fria atmosfera....

vc escreve tão bem que eu,na pele da personagem pude sentir o peso daquele choro que era só dela,que era difícil ou impossível de dividir..

e isso me soou ate cotidiano...pq todos nós temos nossos segredos,todos nós temos coisas que não podem ser divididas com ninguém,de tão nossas que são..

enfim,deste show mais uma vez...

ps:não bastasse o texto lindo,ainda tem um belo de um título,que casa com todas as letras...e a imagem!nem se fala!!! apropriada e sexy...

amei anaa!!

vc demora a postar,mas quando posta,arrasa^^

.: Denise :. disse...

falar o que?! ler isso agora, justo a agora - e vc sabe do que tô falando...é só pra me fazer chorar mesmo,rs.

e eu já te disse que adoro o jeito como vc escreve, né?! Então pronto...nem tenho mais o q falar! rs
bjão

João Vitor Fernandes disse...

Sempre lembranças do que passou vem a nos, talvez com o objetivo de testar, não sei ao certo. Mais costumo pensar nelas como lembranças que nos fazem ser melhor, o que passou é passado e os buracos desse caminho devem ser tapados para que as pessoas que vierem a passar por ele não tropecem e caiam

Unknown disse...

Nossa muito bom!
Gosto do jeito que vc escreve com riquezas nos detalhes e faz me sentir dentro da historia.
Arrasou como sempre amor...
Beijos!

Xael disse...

Os buracos estao sempre abertos, e de um modo ou de outro estamos sempre a esperar o celula tocar, pra reconstruir tudo novamente ou colocar um ponto final. muitas das vezes é tarde de mais pra consertar o passado, a unica coisa que os resta é viver em um bom presente e lutar para um futuro melhor ainda. esse burraco tao pesado, pode ate nao se fechar, mas vc pode tampar ele com grandes coisas, como as alegrias da vida, e outros amores...
me vejo nesse texto. mas nao consigo desligar o celular e ainda nao achei nada pra tampar o burraco.

Pablodumb disse...

...

"O nosso eu é edificado pela superposição de estados sucessivos. Mas essa superposição não é imutável, como a estratificação de uma montanha. Levantamentos contínuos fazem aflorar à superfície camadas antigas"
Marcel Proust

Belo post.

Anônimo disse...

uau.. eh a segunda vez que visito esse blog, gostei muito dos seus textos, vc escreve super bem! :)

Hod disse...

Olá Cecilia,

cumprimento vc pela excelente entrevista com o Philip do Entrando numa Fria, Parabéns.
Teu espaço é show...

Então neo amiga,

Hoje celebramos data significativa, a semente que vai nos unir aqui neste universo!!
Onde o tempo não envelhece as lembranças de bons momentos...É memória.
Amigo é casa, calor e acolhimentos.

Feliz Dia do Amigo querida amiga,

Beijo pra ti.

Magui disse...

Vim lá o Entrando numa fria.Gostei de lá e daqui , as suas palavras escritas.Parabéns!

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