O telefone tocou às duas da tarde. Era a voz de um amigo me convidando a passear pela noite, acender risadas e beber alegria, como quando éramos mais jovens e despreocupados. O engraçado é que isso não fazia muito tempo. Coloquei o telefone no gancho e saltei do sofá com alegria, cheia de esperança pela noite fantástica que certamente viria. O problema é que eu não sabia o que vestir.
Fui até o quarto e abri as portas do guarda roupa disposta a arrancar dele algo descente pra que eu pudesse vestir. Meu sorriso animado sumiu quando contemplei a desordem natural dele. Fui puxando peça por peça e o que desagradava ia pro chão.
Quinze minutos e nada... O guarda roupas quase vazio e eu constatando a necessidade de roupas novas. Foi então que puxei do fundo da bagunça uma camisa azul escura. Aquela mesma que eu havia escondido. Meus olhos fecharam e eu a trouxe até o nariz sem pensar, mas logo a abaixei, pois o cheiro que procurava já havia se perdido. Eu a abri na minha frente e foi como se eu pudesse reviver o dia em que eu mesma a arranquei do seu corpo. Foi como sentir novamente a luz que saia dos seus olhos, que me refletia dez vezes mais bonita do que sou, tornar a cair sobre mim.
Eu pude lembrar de cada uma das promessas que hoje só servem pra te desconcertar, mas elas são tudo o que eu ainda sei sobre nós (mesmo que por vezes eu queira duvidar) junto com todas as coisas que não faremos, embora eu ainda esteja atada a você com nós cegos feitos pelos meus desejos insufocáveis, egoístas e cheios de amor.
Eu corri os dedos pelo pano, mas o que eu sentia nas pontas deles era o toque da sua pele e a recordação do calor do seu corpo. Também veio a saudade da calma do seu abraço e das suas mãos correndo pelo meu rosto, desenhando os meus contornos. De olhar no fundo dos seus olhos e ouvir aquele “eu te amo” que vinha como uma onda colorida, quebrava no meu peito e fazia com que sentisse vida neste corpo. E de sentir os ecos de felicidade retumbando dentro de mim enquanto diziam “eu também, eu também... eu também”.
Aos poucos, meus olhos tornaram a recobrar o foco e encarando aquele pedaço de pano, que mais parecia um pedaço seu deixado pra trás. Eu sorri, embolei e tornei a atirar no fundo do guarda roupas. Peguei o primeiro jeans ao alcance, uma camiseta preta e calcei meus all stars inseparáveis. Maquiei o rosto com o cuidado de sempre e dei um jeito nos cachos dos cabelos. Peguei o celular e as chaves, apaguei as luzes e tranquei a porta me perguntando se um dia teria coragem de me livrar daquela camisa de vez.