Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

terça-feira, 30 de março de 2010

Évasion


   Deitada naquela cama, ela parecia uma garotinha agarrada aos muitos travesseiros. Ela os usava pra preencher os espaços enormes deixados por um outro corpo. Os espaços que tornavam aquela cama grande demais para que se deitasse sozinha.
  Os olhos castanhos fora de foco pareciam ver algum lugar no passado. Aquele numa sexta feira, sol poente, a janela do carro aberta, cabelos castanhos brincando no vento, um sorriso lindo e uma canção qualquer.
   Ás vezes pensa que deixou de ser tudo o que desejava, que não sentia dor ou saudade porque sua alma não estava mais com ela havia um tempo. Tinha ido pra longe, devolver todos aqueles sentimentos. Pra ela, que sempre foi coração, era estranho não sentir nada, mas talvez tivesse restado a falta pra acompanhar e fosse a voz gritando em seus ouvidos que a mulher que ela ama não iria voltar.
  Aos poucos, se convencia de que a porta estava mesmo fechada e a voz do outro lado do telefone nunca fosse a chamar de volta. Em alguns momentos, apertava os olhos e os travesseiros e se perguntava o porque de não se levantar e tentar trazer outra vez pra casa tudo aquilo que sempre foi tão bom, aqueceu e a levou pra tão longe... De onde ela jamais soube voltar. A resposta que vinha de sua própria boca era sempre a mesma: “talvez eu não valha a pena...”. E nessas horas ela chorava.
   As feridas sempre se fecham no final das contas, mas não era isso que queria. Talvez porque soubesse que não haveria ninguém pra ocupar aquele lugar. E porque com aquela mulher tivesse sentido tantas coisas que o amor promete, pela primeira vez. Talvez porque ela ainda acreditasse que o mundo pode girar e que assim os dois corações pudessem voltar a bater no mesmo compasso. Ou por covardia mesmo.
  A única certeza que carregava era a de que uma hora ela ia ter que sair daquele quarto, encarando a porta ou fugindo pela janela.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Les amants d'un jour

    A primavera passa e leva com ela o brilho cansado das flores que resistiram à força da chuva, fria e pesada. Um campo de Lírios com mil desafios a perecer. As pétalas que secam caídas ainda parecem tão belas. Deve ser porque elas não se importam de morrer. É certo que o calor virá, as plantas vão secar, o chão vai congelar... Mas a primavera sempre volta com a promessa que as fará renascer.
   É como falar dos que querem sentir. Dos que irão cair centenas de vezes por acreditar. Os entrelaçados tão fortemente ao amor que são fadados a viver como metade. Dos que esperam sufocados e de não caber em si, vivem no outro como eterno verso apaixonado. Os que o amor não pode matar, mas acompanha e fere como dor. Os destinados a ser flor, como eu.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Marcher


            O Tempo vem e leva tudo, dele nós sairemos mais fortes e essas parecem as palavras de um poeta. A verdade é que andei de encontro ao tempo desde que tenho memória e de cada batalha, como a de agora, um pedaço meu fica e deixa que a dor me siga. Retalhos de alma que são como sementes de esperança que jamais puderam germinar. Um passado que se mantém seguro e eterno. Que guarda as promessas de um futuro que jamais poderá existir, mantém as incertezas do “se”, as tristezas do que não foi dito e os arrependimentos pelo o que não foi feito. É verdade que tempo passou e eu deixei de esperar, deixei de querer, de procurar, por vezes até mesmo de amar. Assim como também foi verdade que não me tornei mais forte, apenas aprendi a viver com o que me falta. Aprendi a conviver com o que eu mais temia e agora ecoa no silêncio desse quarto vazio. Mas apesar das feridas, não sinto medo de me lançar no desconhecido que me levará ao futuro, pois sei que ele é a única arma que sempre poderei empunhar contra o passado que um dia com certeza se tornará. E se não der certo e o fracasso voltar a me puxar pelos calcanhares de volta aos abismos do meu peito, a dor virá me cortar em muitos outros pedaços, mas sempre vou saber que esse é o preço que pago por não saber caber em mim.

quinta-feira, 11 de março de 2010

au revoir

      A realidade tem se deitado ao meu lado a noite. Por vezes ela aperta o meu pescoço, tentando estrangular as minhas palavras, os meus sentidos, sufocar meus sentimentos... Fazer ceder os meus joelhos e meu coração. Ela me diz aos ouvidos que pise no chão e me desfaça do abraço que dou aos meus anseios mais queridos, ainda que distantes do meu braço esticado. Ela quer que eu sinta a aspereza do caminhar e que eu suje meus pés com ele. Pede que eu abra os olhos e conheça a dor, a desilusão... Que aprenda a querer e a desistir, mas isso não seria um paradoxo? E sempre digo “hoje não...”, os dedos finos e frios se afrouxam e ela me deixa pela manhã. Então eu me levanto descalça e deixo que meus pés percorram as nuvens dos sonhos.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Peu m'importe si la vie t'arrache à moi


   Hoje quando cheguei em casa me recusei a abrir as contas atiradas por sobre a mesa. Tirei as roupas e espalhei por um ou dois cômodos da casa, entrei no primeiro moletom que encontrei. Fui pra cozinha fazer macarrão instantâneo pro jantar. Ai pensei “Quer saber? Vou deixar o gás ligado...” Nem me preocupei em lavar os pratos. Fui pra sala me atirar no sofá e procurei um jogo de futebol pra ver. Eu comecei a chorar lágrimas copiosas novamente, mas dessa vez foi de raiva. Gritei, esperneei até me convencer de que você mentiu, de que fui boba por acreditar que algo existiu...
  Quis ligar o computador e apagar todas as fotos, todas as frases, os e-mails e te limar dos meios de comunicação, apesar de o risco de você me procurar ir contra todas as previsões, mas deixei isso pra um outro dia. Coloquei a primeira play list que encontrei pra tocar e ela tinha todas as musicas que eu cantei pra você, todas as que eu tenho que esquecer e talvez eu apague algumas depois.
   Apanhei o celular na mochila jogada no hall, liguei pra uma amiga que você detesta, depois pra outra de quem você costumava ter ciúmes. Han! como se fosse te castigar... Desliguei o celular e o coloquei fora do meu alcance. Bebi todas as cervejas da geladeira e pensei bastante em abrir aquele vinho caro que guardei pra abrir com você numa data especial.
   Eu escondi aquela foto sua que ficava na cômada e me saudava todas as manhãs dentro da primeira gaveta. Fui pra um banho quente e demorado com a porta do banheiro aberta. O corredor se encheu de fumaça e os espelhos se embaçaram, o que não fez mal já que eu não queria olhar meu rosto. Abri o guarda roupas e lá estava aquela sua camisa que eu usava pra dormir quando você não estava por perto. Atirei-a com cabide e tudo pra dentro do maleiro. Procurei uma roupa minha que não lembrasse nenhum momento com você, foi uma tarefa incrivelmente difícil.
   Queria esconder aquele rosto triste, então me maquiei com absolutamente tudo do que dispunha ali, seria também um ótimo subterfúgio para não voltar a chorar, você sabe que eu odeio maquiagem borrada. Gastei um tempinho no meu cabelo, que sempre está horrível, mas hoje era um dia especial e não me importaria de brigar com ele até que eu achasse que tivesse ficado bom.
   Passei um tempo procurando as chaves da porta da frente no meio da bagunça. Achei o MP5 jogado num canto, peguei um guarda-chuva e sai de casa pra caminhar pelas calçadas, por entre os carros... Coloquei os fones nos ouvidos e aumentei o volume... “Que é pra ver se você volta, que é pra ver se você vem...”.