tenho estado longe daqui, mas hoje volto com uma história verdadeira que me tocou profundamente e quis que fosse ouvida por ai, talvez por alguém que precise aprender a lutar por si... no mais, Sara Bareilles =]
Eu tinha acabado de voltar da escola e estava decidida, entrei em casa pronta pra acabar com aquela farsa. A idéia de mentir nunca me agradou e mentira e omissão pra mim são palavras homônimas. Eu também não tinha por que mentir, mesmo com pouca idade, eu já havia entendido que não havia nada de errado comigo.
Quando cheguei em casa, minha mãe estava na cozinha, terminando o preparo do jantar. Coloquei a mochila no quarto e fui até lá cumprimentá-la com o beijo de sempre.
- E ai, mamãe, demora muito a sair comida?
- Não, meu amor daqui a pouco já sai. Falta só ficar pronto o molho do macarrão.
Eu me sentei à mesa e fiquei olhando enquanto ela mexia as panelas. Minha mãe era uma negra linda, tinha cachos que lhe desciam a cintura. Olhando pra ela, transmitindo a paz de sempre, pude sentir mais do que nunca o quanto a amava, o quanto me era cara e nessa hora confesso que tive medo, mas mesmo assim fui adiante.
- Mãe, eu queria conversar com a senhora.
- Pode falar minha filha, temos uns minutinhos antes do seu pai chegar pra jantar.
- Tá... Antes eu queria que a senhora soubesse que eu a amo muito, muito mesmo! Independente de qualquer coisa...
- Ai minha filha, não fala assim que você me assusta, o que foi que aconteceu? Fizeram alguma coisa pra você?
Tomei fôlego e resolvi disparar tudo antes que me arrependesse:
- Não mãe, calma... No começo eu também achei que tivesse acontecido, mas depois compreendi que sempre fui assim. Não é de agora, eu me percebi meio estranha, de repente eu já não tinha mais olhos pros garotos e me odiava por isso. Eu estava presa num mundo que não era meu. A senhora deve se lembrar de um tempo atrás em que eu só fazia chorar, foi logo quando descobri. Senti como se o mundo estivesse contra mim, como se Deus estivesse contra mim e pior ainda, como se eu mesma estivesse contra mim. Mas então conheci uma pessoa especial, que eu pude amar mais do que eu pensei que se pudesse, mamãe - Nessa hora minha embargou, abaixei os olhos pra não ver os de minha mãe cheios de água. – Quando percebi, já tinha me permitido ao amor que sentia, então pude perceber que um sentimento tão puro, não podia fazer mal a ninguém... Mesmo assim eu ainda não estava feliz, eu precisava que a senhora soubesse, porque felicidade nenhuma esta completa sem a mulher que eu mais vou amar na vida e eu não queria mentir pra senhora... – nessa hora eu parei e falar, pois não conseguia, o choro foi lavando meu rosto e calando meu desabafo desesperado.
- Minha filha, primeiro eu quero que você entenda que jamais vai poder mentir pra mim. Eu leio todos os seus sinais desde que você esteve aqui. – E acariciou o próprio ventre com carinho – Eu temi que esse dia chegasse, pedi que ele não viesse e não vou dizer que aceito isso tudo, porque o que você quer é franqueza, certo?
Sequei os olhos com as mangas do moletom e fiz que sim com a cabeça. Ela prosseguiu:
- Mas minha filha eu te amo, por isso eu não quero e nem suportaria ver você sofrer e não vou compactuar com sua dor, então não espere isso de mim. Mas enquanto você estiver feliz eu vou tentar entender porque Deus, ou seja lá o que for, fez isso com você. Agora, sai da cozinha que você está me atrapalhando de cozinhar.
Na verdade minha mãe não queria que eu a visse chorando, sempre foi orgulhosa quanto a isso. Eu imagina a dor que estava sentido, eu mesma tinha sentido uma dor horrível. Levantei e fui pra rua, desci algumas quadras correndo e interfonei numa casa antiga e bonita. Ela atendeu e quando ouviu minha voz veio correndo pelo quintal. Quando chegou e viu meu rosto avermelhado, seu sorriso se desmanchou, dando lugar a um rosto preocupado.
- O que foi que aconteceu, meu amor? Alguma coisa na sua casa? – Disse me abraçando.
- É, mais ou menos... Eu contei pra mamãe.
- Você o que?!
- Eu contei pra mamãe, tudo...
- Você falou pra sua mãe de mim?
- Não, eu não falei seu nome, contei mais sobre mim, ela foi até compreensiva, talvez as coisas melhorem pra...
- Não, pára! Do que é que você tá falando?
- Ué amor, da gente! Eu não queria mais mentir...
- Pára... Não era pra ser assim. Ninguém podia saber, minha mãe não vai aceitar isso nunca!
- Mas amor, um dia as pessoas vão ter que saber!
- Não, elas não vão! Eu não quero, não vou estar pronto e nunca vou estar. Sinto muito... – Disse com cara de choro. Deu as costas e correu pra dentro de casa. Fui embora e não tenho memória de que nada pior tenha me acontecido até então.
Já fazem mais de vinte anos desde que isso aconteceu e ninguém nunca soube dessa história. Ela nunca se casou, acabou dedicando toda sua vida à carreira. Tive várias outras mulheres, mas continuei guardando-a em um lugar que ninguém pode substituir. Um amor dolorido, verdadeiro e imperecível. Soube por bocas que ela hoje tem uma sobrinha lésbica e que a defende da mãe, e do resto da família que a hostiliza, com unhas e dentes. Não sei, mas as vezes me parece uma tentativa desesperada de recuperar a própria vida no vigor da juventude da garota de vinte e poucos anos, mas eu ainda sonho com o dia em que ela tomará a esse vigor pra si e virá até a minha porta lutar pelo direito de amar a garotinha que sonhou um dia tê-la pra sempre.